Conheça os detalhes da denúncia feita contra o delegado Fábio Santana à Corregedoria

 

Foto: Reprodução/Fan F1

O delegado de polícia civil Fábio Santos Santana ganhou notoriedade em razão de um episódio nada edificante. Na madrugada de 22 de novembro de 2015, ao final da Odonto Fantasy, o delegado se envolveu em um acidente automobilístico na Zona de Expansão de Aracaju, no qual duas pessoas saíram feridas. De acordo com testemunhas ouvidas à época, Fábio Santana, então titular da Delegacia Regional de Itabaiana e que na ocasião conduzia uma camionete locada pela Secretaria de Segurança Pública, fugiu do local do acidente sem prestar socorro às vítimas e sem se submeter ao teste de bafômetro.


Titular da Delegacia Regional de Canindé de São Francisco desde 2018 e membro do Conselho Fiscal e de Ética da Associação dos Delegados de Polícia Civil do Estado de Sergipe (Adepol/SE), Fábio teve seu nome relacionado, direta e indiretamente, a outros casos polêmicos ocorridos no município do alto sertão sergipano, onde personagens como Genivaldo Galindo, Floro Calheiros e Marcos Munganga fizeram história.


Em março deste ano,  o juiz da comarca de Canindé do São Francisco, Paulo Roberto Fonseca Barbosa, revogou a prisão preventiva de seis suspeitos presos em 2019 na Operação Olaria, que investigava os crimes de homicídio, tráfico de drogas e latrocínio no sertão de Sergipe. O magistrado anulou o Relatório de Missão Policial nº 075/2019, o qual continha graves irregularidades e ilegalidades. Na mesma decisão, solicitou à Corregedoria de Polícia Civil e ao próprio delegado titular informações sobre as diligências que resultaram nas prisões. 


Em maio de 2020, Fábio Santana  apreendeu uma quantia de R$ 5.130,50 em poder de um traficante preso em flagrante. O dinheiro, no entanto, não foi encaminhado à Justiça.


Em fevereiro deste ano, o juiz Paulo Roberto Fonseca Barbosa fixou prazo de cinco dias para que o delegado Fábio Santana, responsável pelo inquérito, indicasse em qual conta judicial foi depositada a quantia apreendida na posse do acusado. Somente no dia 3 de março, o valor foi integralmente transferido para a conta judicial, após a intimação pessoal do delegado. Ainda assim, o magistrado estabeleceu prazo de 48 horas para que o delegado responsável pelo caso justificasse “o lapso temporal de 10 meses para comunicar ao Juízo o destino da quantia”.


Apesar dos casos envolvendo Fábio Santana, não se tem qualquer notícia de punição do delegado - nem mesmo uma simples advertência pelas reiteradas estripulias incompatíveis com a dignidade do cargo ocupado.


Mas esse excesso de sorte parece estar com os dias contados. Será mesmo? Com exclusividade, o Fan F1 teve acesso ao Inquérito Policial n° 26/2020, instaurado pela Corregedoria Geral da Polícia Civil para apurar suposta conduta criminosa cometida por Fábio Santana no ano de 2019.


Consta do procedimento investigatório que, no final de maio de 2019, Augusto César Soares Viana, conhecido estelionatário contra quem pendia um mandado de prisão expedido pela 9ª Vara Criminal de Aracaju, recebeu um telefonema de seu advogado orientando-o a se entregar em uma delegacia de polícia. Devido ao fato de conhecer o delegado Fábio Santana, então lotado em Canindé de São Francisco, o réu entrou em contato com a autoridade policial e marcaram um encontro em um conhecido restaurante localizado na Orla de Atalaia. Todas as informações narradas a partir daqui foram narradas por Augusto César na queixa prestada na Corregedoria da Polícia Civil.


Segundo ele, no encontro, realizado por volta das 11h do dia 1º de junho de 2019, Augusto César expôs a situação ao delegado, esclarecendo que gostaria de se apresentar "espontaneamente" na Delegacia de Canindé de São Francisco, alegando que não queria dormir na cela nem ser transferido para um presídio. O delegado Fábio Santana, depois de efetuar algumas ligações, disse que aceitaria sua apresentação na Delegacia de Canindé de São Francisco e demais termos propostos, desde que Augusto lhe desse R$ 12 mil em espécie.


O "acordo" entre Augusto César e o delegado Fábio Santana foi presenciado por Luciano Profeta, amigo de Augusto. Aliás, o testemunho de Luciano Profeta é determinante para a investigação, uma vez que Augusto César não dispunha do valor supostamente solicitado a título de propina e Luciano Profeta declarou na Corregedoria que se prontificou a ir até a sua residência, em Estância, onde tinha os R$ 12 mil disponíveis em espécie.  Segundo o próprio Profeta, a entrega do dinheiro a Fábio Santana foi marcada para as 15h do mesmo dia. No horário marcado, Augusto César recebeu o dinheiro das mãos de Luciano Profeta, repassando-o pessoalmente a Fábio Santana na presença da testemunha.


Conforme combinado, Augusto César Soares Viana se apresentou na Delegacia de Canindé de São Francisco no dia 3 de junho de 2019, tendo o escrivão responsável cumprido apenas suas obrigações de praxe, ou seja, cientificar a 9ª Vara Criminal de Aracaju de que o preso havia se apresentado espontaneamente naquela unidade policial do longínquo município.


Augusto César passou apenas dois dias na Delegacia de Canindé de São Francisco, onde dormiu tranquilamente no alojamento dos policiais, conforme os termos do pacote adquirido na agência de turismo informalmente instalada na Secretaria de Segurança Pública de Sergipe.


Mas esses dois dias de hospedagem na Delegacia de Canindé de São Francisco foram suficientes para Augusto César Soares Viana ser demandado pelo delegado Fábio Santana a respeito de um empréstimo de R$ 100 mil, pelo qual se comprometeu a pagar 3% de juros ao mês, segundo o próprio Augusto. Mesmo hesitando - mas ao mesmo tempo temendo profundamente que o delegado quebrasse o acordo e o encaminhasse para um presídio -, Augusto César entrou em contato com o seu filho e pediu-lhe que repassasse os R$ 100 mil, seguindo as orientações fornecidas por Fábio Santana.


Assim, segundo o depoimento de Augusto César, o valor de R$ 50 mil foi depositado em uma conta de titularidade do próprio Fábio Santana, ao passo que os outros R$ 50 mil foram depositados na conta de Tadeu Mateus Lima, sócio de Fábio Santana, com a advertência de que o repasse financeiro não deveria ser feito por meio de transferência bancária, e sim por meio da operação "saque e depósito".


Já fora da prisão, Augusto César encontrou-se novamente com o delegado Fábio Santana, desta feita para receber um cheque deste como garantia da dívida, conforme acordo celebrado na Delegacia de Canindé. Mas, diferentemente do combinado, o delegado Fábio Santana lhe apresentou um cheque de seu sócio, Tadeu Mateus Lima. A princípio Augusto César se negou a receber o cheque, mas acabou aceitando-o mediante o endosso de Fábio Santana, que endossou sua assinatura no verso do cheque.


Fábio Santana efetuou regularmente os depósitos mensais no valor de R$ 3 mil - referentes aos juros de 3% sobre o capital - até 4 de fevereiro de 2020, tornando-se inadimplente a partir desta data.


Em razão da inadimplência, Augusto César Soares Viana ajuizou uma Ação de Execução de Título Extrajudicial em face do delegado Fábio Santos Santana e seu sócio Tadeu Mateus Lima. O processo tramita na 5ª Vara Cível de Aracaju sob o n° 202010500919.


Em depoimento na Corregedoria, o delegado Fábio Santana negou ter pedido dinheiro a Augusto César Soares Viana para hospedá-lo e conceder-lhe regalias na Delegacia de Canindé de São Francisco. Não negou o empréstimo contraído no valor de R$ 100 mil, embora tenha dito que apenas o intermediou para o seu amigo Tadeu Mateus Lima, que lhe dissera existir uma empresa em que poderiam se fazer investimentos cuja rentabilidade seria de 12% (doze por cento) de juros bimestrais - equivalente a 6% (seis por cento) de juros ao mês.


Conversando com um experiente criminalista sobre os fatos apurados e a conclusão manifestada no relatório do Inquérito Policial n° 26/2020 da Corregedoria Geral da Polícia Civil, o Fan F1 obteve os seguintes esclarecimentos:


"É preciso inicialmente separar as condutas do delegado para se chegar à conclusão de que houve ou não a prática de um ou mais delitos. No primeiro caso, ou seja, ao aceitar custodiar um preso à disposição da 9ª Vara Criminal de Aracaju na Delegacia de Canindé de São Francisco, da qual era titular, bem como mantê-lo fora da cela e não encaminhá-lo ao sistema prisional, nós temos configurado o crime de corrupção passiva se houve, por parte do delegado, a solicitação ou o recebimento de vantagem indevida. A pena prevista, neste caso, é de 2 a 12 anos de reclusão, aumentada de um terço em razão de ter o delegado de polícia praticado tais atos de ofício infringindo dever funcional, segundo dispõe o art. 317, parágrafo 1° do Código Penal. Entretanto, se não houve, ou não foram comprovados, a solicitação ou o recebimento de vantagem indevida, mas os mesmos atos de ofício reportados foram retardados ou praticados para satisfazer interesse ou sentimento pessoal (e aqui é necessário chamar a atenção para uma relação de amizade ou interesse mútuo entre a autoridade policial e o preso), subsiste o crime de prevaricação, tipificado no artigo 319 do Código Penal”, explicou o criminalista.


E prosseguiu: “Relativamente à segunda conduta, dadas as circunstâncias expostas, trata-se não de um pedido, mas de verdadeira exigência de vantagem indevida de R$ 100 mil sob a roupagem de empréstimo. Nas circunstâncias em que se encontrava, o preso tinha liberdade ou autonomia de vontade para realizar o negócio jurídico proposto pelo delegado? Evidente que não! Ele o fez por temor, por coação, por fundado receio de ser transferido para um presídio, e o agente público se aproveitou dessa situação para obter o numerário, tanto que após pagar alguns meses de juros, deu um calote no credor. De modo que essa simulação de empréstimo para dissimular uma exigência de vantagem indevida configura, a meu juízo, o crime de concussão, previsto no artigo 316 do Código Penal, cuja pena cominada é de 2 a 12 anos de reclusão, além de multa. Por fim, tem-se presente o crime de usura, confessado pela autoridade policial investigada ao afirmar que o numerário arrancado ao preso teria sido investido em uma empresa cuja rentabilidade oferecida é de 12% de juros ao bimestre. Seria uma factoring? Delegado pode ter factoring? A resposta é não, obviamente. E se a atividade não é regulamentada, configurado está o crime de agiotagem no caso de cobrança de juros acima do limite oficial”, disse o advogado.


"Causa-me espécie, portanto, a pobreza, a mediocridade, o descompromisso do relatório policial produzido pela Corregedoria-Geral da Polícia Civil no presente caso, pois, além de não haver indiciamento do delegado de polícia a despeito da robustez de provas, tratou-se o execrável caso do empréstimo simulado como uma simples questão de natureza cível. Não por acaso a Polícia Civil vem assistindo ao derretimento de sua imagem nos últimos tempos", concluiu o especialista.


Para Antonio Moraes, ex-presidente do Sindicato dos Policiais Civis de Sergipe (Sinpol/SE), “tem cheiro de pizza podre esse relatório policial produzido pela Corregedoria-Geral da Polícia Civil, representada indevidamente pelo delegado Júlio Flávio que se autoproclama ‘corregedor-auxiliar’”.


E continuou: “Vale ressaltar que não existe legalmente esse cargo de confiança ou função comissionada de ‘corregedor-auxiliar’. Não passa de uma invenção para Júlio Flávio continuar fora da atividade fim. O delegado Júlio Flávio, há cerca de uma década, não está lotado em delegacia de Polícia Civil. Tão somente, atua como integrante de uma das comissões permanentes de disciplina da Corregedoria que não possui qualquer competência para apurar diretamente infrações penais. No pífio relatório policial, o autoproclamado ‘corregedor-auxiliar’ não indiciou o delegado de polícia, Fábio Santana, a despeito da robustez das provas. A evidência das provas testemunhais e documentais, estranhamente, fez o ‘corregedor-auxiliar’ tratar esse episódio execrável como um mero caso do empréstimo simulado, uma simples questão de natureza cível. Não por acaso a Polícia Civil vem assistindo ao derretimento de sua imagem nos últimos tempos", concluiu o ex-sindicalista.


Na última segunda-feira, 21, o juiz da 3ª Vara Criminal de Aracaju deferiu a representação da Corregedoria da Polícia Civil pelo compartilhamento de prova (prova emprestada), autorizando a utilização, no Processo Administrativo Disciplinar n° 2021.006.01.141-1, de prova obtida mediante interceptação telefônica e quebra de sigilo de dados telefônicos e telemáticos autorizada nos autos tombados sob o n° 202120300121.


Fonte: Fan F1

Comentários